domingo, 2 de dezembro de 2007

Hardcore

Ela sentou-se no sofá rasgado
Escutou o tipo intimidado
"Desperdiças-te em cervejas e charros"
Calmamente, acendeu o cigarro
Num click de isqueiro, sem esforço
Teria papéis rabiscados
Ainda que não tivesse mãos, de dedos decepados
Mostrar-lhe esboços e quadros?
Não, ela come rapazinhos aterrorizados
Ao pequeno-almoço

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Momento-cobertor

Esticando as mãos
Num gesto instintivo
Afago num ápice
Um rosto conhecido

Olhando os dois lados
Vasculhando o interior
Sinto o quente
Quieta no tempo

Momento-cobertor

Nós e os Outros

Em parceria com G.

Duas pernas
T-shirt de Mayhem
O violeta está cortado
Desconcertante
Fulminante
Fala-me de ti
Não passes recados
Inspira-te nas ondas dos carros

Trocando mulheres
Elevas singularidades
Podias fazê-las morrer
De curiosidade
Que ardam
Em sorrisos perversos!

Demasiados pensamentos em catadupa
Não estás apenas sentado
Comprometes-te de olhos fechados
Despes-te para um público determinado
Seleccionado

De cabelo comprido
Crias inimigos
Sincronias
Derrubando
Considerações
Alimentando
Multidões
Assassinado pelo dia
Descreves sensações
Pela caligrafia


Feitiçeira branca
Explosiva
Transformas-te
Em guitarras
Feridas
Vives
Palavras
Esquecidas
Atrevida
Quantas vozes
Precisas
Quantas vidas?

Quero-te
A nós e aos outros
Os loucos
Que nos habitam


domingo, 25 de novembro de 2007

Ladra de caras

Cantar para mais de cinquenta pessoas dá-me a sensação de ser uma ladra de caras. Elas estão lá mas eu não as vejo. Incorporam a música: cada uma delas, notas musicais.

É nestes momentos que me apetece inventar uma batida rápida, aguda, que me seja insuportável e me arrase completamente, avassaladora! Apetece-me gritar, rasgar a garganta, desafinar a voz! Apetece-me libertar-me em lágrimas quentes em frente a estas caras e soluçar até doer!...


Ia jurar que se iluminasse as caras de repente… eram todas iguais… todas a minha.

A Bela e o Monstro

E ela disse…:
Monstro horripilante
Quis dar-te um beijo
Electrizante
Que te desse a certeza
De que te amo
Foi tudo, insano...
Porque me deixaste
Os lábios num corte?
Porque recusaste
O beijo da Sorte?...

E ele disse…:
Minha rainha
Tu és a Bela
Eu sou o Monstro
Tu és o Princípio
Eu sou o Fim
Tu és Feiticeira
Eu sou Malandrim
Deixemos isto assim
Beijos da Sorte
São beijos de Morte

São beijos de Morte!

Consegues provar o improvável?...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Mulher Tatuada

Ele tocou
As marcas na pele
Relevo
De um pequeno anel
De um relógio em chamas
De rosas azuis
Um pássaro
Em filigrana
Uma sereia
Sem escamas
No tronco
Esguio
Da Mulher Tatuada

Virou-a
Aspirando o aroma
Um sol no umbigo
Um rio esquecido
Uma cruz no pescoço
Um olho no peito
Borboletas
Violeta
Dançando no osso
Do ombro direito

Mulher Tatuada
Que arte encantada!
Que buraco é este
No meio do nada?

És tu, infiel
Sem artifícios
Sem um só pincel
Encaixas perfeito
No meio da pele

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Brincadeira de crianças

Depois de partir uma garrafa no chão
Pergunto-me
Serão mais do que vidros?

Depois de contar os cacos na mão
Concluo: iludo-me
As paredes têm ouvidos?

Ódio

Ténue vingança
Cega matança
Tóxica esperança

Posso contar-te um segredo?

Ódio...
Nem sequer te percebo

No mais benévolo de mim

És uma brincadeira de crianças...

sábado, 10 de novembro de 2007

Erros racionalizados

O que é melhor
Que chagas
Admitidas

O que é pior
Que garras
Escondidas

Curioso
Uns choram
Outros gritam
Tu és
Perigoso!
Racionalizas
Os teus erros


O que é melhor
Que beijos
Consentidos

O que é pior
Que desejos
Denegridos

Curioso
Uns choram
Outros gritam
Tu és
Perigoso!
Racionalizas
Os teus erros

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Insónia

Insónia
É um livro
Que não se abre
Porque se sabe
A história de cor

Surpreendente

Carrega nos olhos
Histórias perdidas

Carrega no corpo
Promessas esquecidas

Carrega
O peso
De mil partilhas

Carrega
Memórias rosáceas

Recém-nascidas...

Todo particular

Nos últimos dias, tenho tocado guitarra em público e em sítios diferentes e o contraste tem-me deixado extasiada. Impressionante como um ser humano é capaz de fazer mil e uma coisas, tudo o que quiser, tudo a que se dispor.
Aparentemente, adaptamo-nos aos mais diversos feitios, aos mais diversos locais, sem medo. Não se questiona o poder da improvisação, transpira-se; não se movimenta, existe-se. A actuação envolve um chão, rostos que se fitam, uma ambiência especial.
Inesperadamente, não sou uma forma, são os pormenores que me dão consistência. Engolem-me. Um par de namorados imita-se mutuamente, seguindo um mesmo guião; um velho inclina o copo no clímax da música; as cortinas do fundo parecem tecer comentários de leve ironia; as cores dão um toque irreal à sala; a minha guitarra soa engrandecida e o microfone rouba-me a voz. Tudo isto segue uma sincronia única de que eu também faço parte. Não faz sentido dizer que sou o centro das atenções porque o centro abrange muito mais. O tudo e o nada confundem-se.
Tocar num teatro é como ser abraçada por um grande holofote de luz quente. As pessoas ficam ligeiramente surpreendidas e pedem mais. Dizem que tenho uma voz doce e dão-me palmadinhas nas costas. Agradável.
Tocar num bar é mais familiar e consigo ver quase todas as expressões que me lançam. Prefiro perguntar se conhecem as músicas antes de começar porque assim prevejo reacções. Tempo ilimitado dá uma sensação de conforto. Depois do espectáculo, oferecem-me bebidas, trocamos contactos. Íntimo. As palmas envaidecem-me.
Poderia olhar-me e reconhecer-me mas não sinto. Sinto apenas o todo particular.

domingo, 28 de outubro de 2007

Velho Ancião

Ele guardou em silêncio
As Grandes Lições
Quatro Verdades
Quatro Perdões
No meio do verde
Barba de prata
Rasto de música
Caixa selada
Ninguém revela
As Quatro Lições
Na clareira fechada
Grandes Lições
Não são partilhadas

O aprendiz
Bate à porta
Do Velho Ancião
«Diga-me, Senhor
As Quatro Lições
Para obter a Razão»

Cofiando a barba
O Velho Sábio
Pondera a questão
«
Não há Uma Face
Para a grande Lição

Vais reconhecê-la
Porque te cabe na mão
E vais desejar
Guardá-la em silêncio
Para nunca morrer,
Confia no Velho Ancião»

Ninguém revela
As Quatro Lições
Na clareira fechada

Rasto de música
Caixa selada
Grandes Lições
Não são partilhadas

sábado, 27 de outubro de 2007

Política de massas

Nos últimos cinco minutos, a Assembleia era percorrida por um burburinho nervoso. O líder, o homem da palavra, o Pai, ia iniciar o seu discurso.
E ele dizia:
«Não ao imperialismo, não às armas de fogo, não ao aquecimento global, não ao aborto!»
E a resposta imediata: «YEAH!»
«Sim à liberdade de expressão, à informação fundamentada, à exploração espacial e à intervenção genética!»
«YEAH!»
«Não às prisões, aos bordéis, à repressão, ao terrorismo!»
Suado, o público gritava: «YEAH!»
«Toquem-se, sintam-se, pintem as ruas, subam paredes, cantem, troquem de máscaras, choquem o mundo, não durmam, não morram, irmãos!»
Atropelavam-se, beijavam-lhe os pés: «YEAH!»
«Gays e lésbicas, deficientes, pretos, muçulmanos, ensinem-me algo!» Uma veia no pescoço. «Estou farto de palavras, é agora ou nunca, SEJAM»
«YEAH!»
«Arte»
«YEAH!»
«Mundo Novo»
«YEAH!»
«NO!»
«YEAH!»
«Vocês ouvem alguma porra do que eu estou aqui a dizer?»

«YEAH!»

domingo, 21 de outubro de 2007

Palácio de gritos

Desço as escadas
Pesadas
Do palácio de gritos

Portas
Escancaradas

A beleza
Deste sítio

Sorvem-se prazeres
Durante o sono dos gritos


Acredito...

Pelas paredes
Durante gerações

Parentes
Insípidos

Perfuram ouvidos
No palácio de gritos.

Não há lei.

Todos são proscritos

No palácio de gritos...

Para sempre (por Dr. Milton)

Todas as manhãs vou a um café fanhoso tomar uma bica forte e ler o jornal. Ao soltar a primeira cachimbada do dia, olho em redor e penso. Não fui feito para a confusão.
O que seria de ti, Milton, num grande estabelecimento a observar profissionais de sucesso a deixar cair migalhas e saliva das bocas abertas? Quel horreur. Não. Dou-me ao luxo de exigir privacidade total.
Bebo o café com os punhos da camisa desapertados porque um bom café tem que ser apreciado lentamente, com todos os sentidos. Sinto o licor adocicado pela garganta e penso. Para sempre. Não posso apreciá-lo sem imaginar que é para sempre. O conteúdo insignificante desta chávena destina-se única e exclusivamente a provocar-me prazer. Eu deleito-me. Para sempre.
Seria concebível, hipoteticamente, que ele se revoltasse e gritasse «cospe, velho, cospe, os teus lábios são ásperos, és feio, não te quero para mim»? Não. Quel horreur. Não concebo tal coisa. No meu interior, eu sou merecedor do que quer que seja e deleito-me. Para sempre.

A ironia do ser humano...

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Espelho de almas

Quero abrir a tua mente colorida foragida
Quantificá-la a cada segundo
Erradicá-la cortá-la em mil pedacinhos
Faúlhas com que decoro o resto do mundo
Quero desaparecer em permanente sufoco
Na cara nos dentes nos olhos pescoço
Envolvida por ideias tão tuas é nunca é pouco
Imaginar andar cantar criar exagerar fingir-nos um fosso
Fortalecer o nosso corpo exangue
Ouvir a minha voz 2 3 4 vezes em duplicado
No quadro figuras de carne de osso de sangue
Rejubilam almas faíscas encontros inesperados

adigarof adiroloc etnem aut a rirba oreuQ
odnuges adac a al-ácifitnauQ
sohnicadep lim em al-átroc al-ácidarrE

odnum od otser o oroced euq moc sahlúaF
ocofus etnenamrep me recerapased oreuQ
oçocsep sohlo son setned son arac aN
ocuop é acnun é saut oãt saiedi rop adivlovnE
ossof mu son-rignif raregaxe rairc ratnac radna ranigamI

eugnaxe oproc osson o recelatroF
odacilpud me sezev 4 3 2 zov ahnim a rivuO
eugnas ed osso ed enrac ed sarugif ordauq oN
sodarepseni sortnocne sacsíaf samla malibujeR

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Morte e Vida

Uma
Mulher de vermelho

Corta-te
A respiração
Reveste os teus preciosos pertences
De podridão

Não se reflecte no espelho

Outra
Inexpugnável
Perfeita promessa
Sensual
Impede-te de fugir
Sendo sempre igual

Inesquecível.

Morte e Vida.
Morte e Vida.

Raio de mulheres.

Nunca estão sozinhas em lado nenhum.

domingo, 14 de outubro de 2007

Para uma amiga doente.

Sou uma mulher sem cabelo, hilariante! Pareço um pobre frango com uma gravata às riscas nestas roupas de hospital. Oh! Aí vem a minha amiga, a mais querida das minhas amigas e ela sorri ao pobre frango que aos olhos dela está revestido de penas laranja, verdes e rosa. Como te adoro e te abraço com toda a minha força, trememos com este aperto bom, ambas choramos lágrimas de gratidão e beijamo-nos, tu estás ao meu lado, eu sei. As pessoas não mudam, não mudam, e não foi a fé nem foi a força nem foi merda nenhuma que me provou isso, só a tua cara e o teu riso generoso. A ti a vida, companheira. A ti a vida.

Como queria estar no teu lugar. Sabes,atéestou.


Atéestou.

sábado, 13 de outubro de 2007

Pezinhos de veludo

No quarto de bonecas
Ouvem-se passos
Carrinho a pilhas
Pernas e braços
Caixa de música
Bolas de pano
Perucas de fitas
Prenda de anos

Para lá do conflito
Para lá do cansaço
Para lá do mito
Para lá do abraço
Há uma porta aberta
No escuro

Em noites despertas
Enfio-me na cama
Em pezinhos de veludo…

Des-culpa

Não esperes. Salva-te.
Não tentes incutir a culpa em mim.
Revolta-te.
Descobre tudo o que há em ti.

Despe-te.
Ama-te.

Mostra-te.

Chama-me quando não precisares de mim.

Des-culpa.

A culpa morreu.

Deuses em chamas

Pelo beijo
Aura de fogo
Sôfregos
Um sobre o outro
Mordemo-nos
Marcas de sangue
Perigoso

Ou mortos
Ou lobos

Renhidos
Lábios unidos
Rasgados
Enamorados

Céu descarnado

Deuses
Em chamas!

Horizonte

Árvores ruivas extasiando transeuntes levados pelo vento
Vozes vivas borbulhando atrás de paredes de cimento
Pequenos rostos dominados pelos seus próprios pensamentos
Cidades de mim, a beleza do momento!
Fervilhando e ansiando sensações em fogo lento
Todos estes corações em batimento!...

Devia partir
Para o horizonte
Sê-los TODOS
Não contes...

Ondas esverdeadas engolindo surfistas em movimento
Chador púrpura luzindo sob o sol sangrento
Palácios de pedra num flash, sorrindo de contentamento
Cidades de mim, a beleza do momento!
Fervilhando e ansiando sensações em fogo lento
Todos estes corações em batimento!...

Devia partir
Para o horizonte
Sê-los TODOS
Não contes...

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Vou pintar a minha pele
Cobrir-me com ela
Fazer dela uma tela de renome
Em traços arrojados
Escrevo o meu legado
Impregno-me, entranho-me
Poesia pincelada
Sou eu
Veredicto
Deixo-o por escrito
Num único sopro
Banho de espuma

Rabisco trejeitos
Que levo na bruma

Gotejas

Tu
Gotejas gotejas gotejas gotejas gotejas

No raio de luz que trespassa este papel
Gotejas

Na janela da sala de móveis amarelecidos
Gotejas

Nos cafés apinhados de gente que foge da chuva
Gotejas

Nas conversas paralelas, entre amigos e cigarros
Gotejas

No raspar de pneus nas estradas encardidas
Gotejas

Nos copos brilhantes e nos rostos suados
Gotejas


Nas peças nocturnas, música e risos
Gotejas


Ping
Gotejas

Na minha boca
Gotejas...

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Teatro discreto

Projectados no tecto
Segredos
Selectos
Perguntam se viste
Teatro discreto

Real?
Objecto?

Soluço
Irrequieto

Hmm!

Convite
A jogos
Secretos

domingo, 30 de setembro de 2007

Nova Era

Mais crítica social.

Poças de água
Calçada de pedra aromática
Faróis de luz apagada
Prédios enegrecidos
Sacos de compras
Montra exacerbada
Beatas
Disse-o e repito!
A multidão desvairada
Sedenta do próximo vício
Morre menos
Consumada à bruta!
Dêem-me luta!
Quero tudo, tudo!
Quero e desespero
Por mais um pouco!

Louca cadência
Espectáculo de luzes
Orquestra moderna
Cinema
(Dilema!)
Pó e batom
Cerveja
Bourbon
Candeeiro de rua
Viagem eterna
Passo a passo
Adianto
A realidade é falsa!
Descalça!
Antiquada!
Moralista!
Não tenho tempo!
Deus?
Há muito que morreu
Em suplício
Sacrifício!
Pff!

Entre Artes
Letras
Praia
Piscina
Surtidos
Batidos
Slogans

Discotecas
Bibliotecas

No ritmo tão rápido só meu
Esqueci-me de ti, meu amigo!
Esqueci-me de ti!

domingo, 23 de setembro de 2007

Perséfone

No dia em que ele veio, Cora viu o chão abrir-se diante de si. Um pé pálido e uma mescla de cabelo ruivo selvaticamente engolidos pelo solo em rasganço. Inédito: a terra tremia. O príncipe das trevas aproximava-se.
Caindo, Cora dizia: «Sei que te julgas superior à dor e ao sacrifício dos mortais, sei que nada sabes de humildade, sei que vingas almas entregues a apetites e imprecações, sei quem tu és, senhor. Aos meus olhos, não és mais do que uma criança petulante. Não vejo mérito num reinado de sangue. Nem sequer gosto da palavra. Que podes querer de mim, infeliz? Como ousas ser tão declaradamente cego? Não tenho nada para dar, a minha boca recusar-se-ia a mentir. Liberta-me, demónio, devo ir para casa.»
«Não sejas presunçosa, mulher, tu estás em casa.»
Vultos. Curioso. Pensei que o Inferno fosse mais do que isto. Mesmo que fosse, os meus olhos recusar-se-iam a ver. Típico. Tropecei num grande trapaceiro. Jamais me perdoarei. Nem sequer posso saber se este vazio é palpável ou faz parte do meu imaginário. Nunca veremos sob o mesmo prisma. «Que queres de mim, infeliz?»
«Não. Que queres tu de mim?»
Cora sentiu um ardor no meio dos olhos por causa da luz. Uma vaga de luz dolorosa que assolava todos os cantos. Ignorância. Depois, palavras.

Porque. Não. Podes. Ser. Eu.
Porque. Não. És.
Porque Não. Podes. Ser.
Bem-vinda. Às Sombras. Perséfone.

À noite, todos os gatos são pardos.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Se a viola falasse

Se a viola falasse, diria que foi trabalhada para cinco ou seis pessoas encherem uma garagem e contarem piadas. Se a viola falasse, diria que os vizinhos são um grande empecilho. Se a viola falasse, diria que não há tempo para coisas triviais como comer ou dormir (fábula nenhuma pode provar o contrário). Se a viola falasse, diria que um grupo de amigos é tudo. Se a viola falasse, diria que há sempre mais músicas. Se a viola falasse, diria que há pausas necessárias. Se a viola falasse, diria que as mãos servem para tocar e, mais importante, para aplaudir. Se a viola falasse, diria que outra viola nunca é demais. Se a viola falasse, diria que me puseste fora de mim. Se a viola falasse, diria que uma voz desafinada é melhor do que nenhuma. Se a viola falasse, diria que não há barreiras. Se a viola falasse, diria que todos servimos o mesmo. Se a viola falasse, diria que enche estas paredes. enche estas paredes. enche estas paredes. Se a viola falasse, não conseguia encontrar as palavras.

É por isso que ela não fala.

Para os meus guitarristas.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Genial

Terra deu à luz debaixo de água
Homens que não conhecem a Sorte
Homens que caminham para a Morte
Cortam o cordão umbilical
Pendem para o Bem, para o Mal
Homens buscam o genial
Genial

Abre-me as veias
Tão cheias
E diz-me

Genial
Ou animal
Afinal
Genial
Ou animal

Terra deu à luz debaixo de água
Homens que temem a Deus
Homens que lutam pelos seus
Descobrem o essencial
Anseiam vida imortal
Homens buscam o genial
Genial

Abre-me as veias
Tão cheias
E diz-me

Genial
Ou animal
Afinal
Genial
Ou animal


Genial

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Anjos de negro

Permito-me dois segundos
Tu e eu
Reflexos de nós mesmos
Perdidos num beijo
Canibal
Sonho profético
Desejo
Poético
Carnaval
De diabruras
Apetitosas conjunturas
Abarcam o real

Ardendo
Em chamas diligentes
Camas sorridentes
Vivas
Pela mão amiga
Cega e destrutiva
Da raiva
Suada de nós

Preciso de ti
Não te tolero
Amo-te
Já não te quero
Fizeste de mim
Um sem fim
De contradições
Desconhecidas
Sofridas
Comodistas
Fora de moda

Varrida
De vidros partidos
Espaço para o potencial
Tempo roubado
Sublimado
Por baixo das cinzas
Tingidas de brilho
Besuntamos às mãos cheias
Volúpia
Braços e pernas
Ventre
Adoráveis anjos de negro
Sem medo
E não meros reflexos
Inexperientes

Capazes de voar

domingo, 16 de setembro de 2007

Noite Dourada

Diários entrecruzam-se em noites de concertos
Palavras trocadas sem nexo
Parecenças flagrantes em anexo
Na música dez
Olhei para trás de viés
Tocaram-me ao de leve na anca
Na meia preta e branca
Ténue toque no meio destes apertos
Quase parecia uma carícia

Vocalista desvairado no palco
Baixista que mostra os seus dotes
Mar de cabeças sob os holofotes
O público empurra-se, ganzado
Um gajo com o lábio furado
Determinados os gestos habituais
São fãs ou verdadeiros animais
Aos saltos

Criam-se laços nesta irmandade
Suores pairam no ar
Vive-se no auge ao luar
Suga-se a seiva musical
Grito, também eu demencial
Para que tu sintas
Basta mergulhares na tinta
E gritar mais alto

A que sabe a noite dourada?...

sábado, 15 de setembro de 2007

O cão etecetra

Foi um parto difícil mas aqui está...a minha crítica social sob a forma do cão etecetra.

Caminhava por entre as gentes e parei, alguns segundos, para me lamber. Digo caminhar mas é mais como um leve saltitar de patas – tic tac tic tac – quase imperceptível. Só paro para necessidades vitais que cabem a qualquer cão que se preze. Observar. Pessoas que pensam algo e afastam o pensamento cerram ligeiramente as sobrancelhas e tremem o lábio. Fascinante.
É isto que eu faço. Vivo para os etecetras da vida. Totalmente inútil mas há mais como eu. Auto-catalogamo-nos de intelectuais. Perdemo-nos na euforia dos nadas e dos ninguéns. Esticamos o tempo até ao inverosímil pela necessidade prodigiosa de edificar o que está podre. Utopias patetas, dizem. Nova lambidela. Cá para mim, estou pleno na minha solidão. Vive-se pelos outros, porque não hei-de viver por mim mesmo? Quem me garante que alguém vai viver por mim? Por isso entrego-me alegremente ao superficial em mim. Hurra! Venham a mim, suas cadelas vadias! Venham a mim, conquistas fáceis! Vem a mim, esgoto de um raio! Não tenciono trabalhar um único dia na minha vida! Sou um autêntico fenómeno e hei-de pagar ao mundo para me ver como tal…
Entretanto, vivo de dinheiro roubado. Sou escorraçado. Ando frequentemente embriagado. Não sou grande amigo porque não tenho nada para oferecer e estou sempre lá para pedir. E o primeiro que me prove que nisto não somos todos sete cães a um osso, juro que lhe dou o meu pêlo nauseabundo (que deus poupe o desgraçado que o quiser) de mão beijada…
Além de tudo isto, gosto de afirmações categóricas. Gosto sobretudo de meter o bedelho em tudo o que não me diz respeito porque sou demasiado preguiçoso para me perscrutar a mim mesmo. Nasci para voyeur. Não posso evitar.
Não tenho grande sentido de justiça. Não. Não faço a mínima tenção de mudar. Não tenho jeito para grandes decisões. Sou humilde, na minha condição. Tic tac tic tac.
Estou permanentemente insatisfeito e as pessoas parecem estar permanentemente insatisfeitas comigo. Sou maquiavélico ao ponto de o adorar e, por isso, ando invariavelmente sem coleira. Sou, com muito orgulho, um miserável. Vida de cão...

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Ternura

Mãos esticadas no berço
Corpinho quente que procura o bater do coração
Pergunto-me, entre sorrisos...
Sabes o que te espera, sabes de antemão?...

Perfume inocente
Magia de lábios púrpura que soltam uma leve respiração...
Encosto a minha cara
Dorme o sono dos justos, meu irmão...

Estou aqui
Meu pequenino.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

O dia em que assustei o medo

Uma viagem de comboio é um poço de surpresas. Sempre gostei dos pequenos nadas que me aguardam nesse tipo de viagem, desde os passageiros, a paisagem, a lengalenga sonora da máquina ou a paz envolvente, e mesmo quando algo corre menos bem, andar de comboio, simplesmente, é reconfortante.

Esta tarde, um homem sentou-se ao pé de mim. Um homem velho e sujo. Dizia que eu era bonita. Que devia ter muitos homens atrás de mim. Demasiado perto. Dizia que queria que eu fosse com ele. Que me queria foder. Que eu não dizia nada porque também queria.


Subjugar outras pessoas tem o seu encanto. Faz-se uma pessoa sentir despida, com frio, instala-se-lhe o medo que incomoda e vai-se embora. Vaga noção de poder. Raridade.


Farta. Não é a primeira vez nem há-de ser a última. Por isso ri-me. Ri-me alto e sem mácula. Ri-me dele. Ali ficou ele, despido, com frio, com o medo que incomoda. Assustei-o e fui-me embora.

Quem diria que o medo tem medo do riso?...

Esqueletos no armário

Quando postura e atitude
São cuidadosamente copiadas
Adeus é uma palavra pesada
Para a tua doce juventude

Cala a boca
Pões-me louca

Desisti de perceber
Injustiça sem aviso prévio
Desenterrar esqueletos do armário
É morrer
De tédio

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Insaciável

Pedaços de vidas rendidas, mordidas, inofensivas
Jornadas complexas de fastidiosas corridas
Sob os segredos da pele

Olhares singulares jogam espaços vazios
Pintam-nos (sintam-nos!), apagam-nos (afaguem-nos!)
Teias de mistério em resmas de papel

Sucumbo à fragilidade imaculada dessa cara fugidia
Escrava da mente diferente que vê e que cria
Anseio sofregamente esse fel

Nasci curiosa para absorver vicissitudes
Nelas me encontro e (em mim) desmonto
Peças restituídas de fugazes virtudes

Destapar o que há de mais fascinante aviva
A minha alma deselegante e desabrida:

Insaciável.

sábado, 8 de setembro de 2007

Hoje, ao olhar para o espelho, ele viu um filho da puta arrogante. Viu um homem que combatia em qualquer luta, a qualquer custo, que apostava em grande. Viu um mentiroso treinado. Viu capacidades legítimas que saíam sem esforço. Viu um calculista que conhecia as suas melhores armas. Viu um amante compulsivo. Viu o maior inimigo de si próprio. Viu um sonhador inveterado. Viu o olhar frio de quem não tem piedade. Viu um céptico. Viu um líder. Viu o outro lado do espelho.

Gestos

Gestos são memórias de gestos
Batalhas interiores de pensamentos indigestos
Que vivem e morrem

Gestos são mais do que restos
São registos preteridos que alegremente infesto
De considerações

Gestos são provas que presto
Simulacros fugidios de fantasias que testo
Para meu próprio proveito

Gestos são rugas que empresto
Testemunhos unos e lestos
De personalidade

Ergo os meus muros
Invento gestos seguros
E sinais obscuros

Que é fabricado, que é puro
Num gesto?...

Um gesto é gesto por ser.

domingo, 2 de setembro de 2007

Devoção

Todas as partes de mim encaixam quando a música grita. Eis o momento de verdade para o qual vivo e com ele um pouco de paz.
A voz tem o dom de encher todos os lugares e despertar desejos remotos. Paralisa, seduz e caminha para trás. Solta pequenas faíscas. A mente rende-se aos seus encantos, fascinada. A partir de agora, todos os dias, vai pedir de beber.

Não me basta ouvir. Tenho que rasgar a minha garganta. É violenta a forma como ela me toca. Sem lágrimas, choro e sem sorrir, rio-me de estar possuída pela música. Os aplausos fazem-me esquecer que sou eu. Estou afogada em mim mesma.

Que pensamentos dariam boas letras. Que composições dariam boas melodias. Vejo o mundo por olhos que não são meus. No entanto, neles me vejo reflectidos. É a música que me dá consistência. É ela que me move e me dá o prazer irracional de ser eu. Enquanto ela existir, não estou sozinha.

Há quem lhe chame devoção. Devoção total e declarada. Devoção que nada pede em troca além da possibilidade da continuidade dessa companhia. Doce devoção...

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Ciúme turquesa

Rogo-te, meu anjo
Que não me acenes com correntes

Água de gelo
No teu corpo encandescente

Confia, arcanjo
Na tua rude princesa

Tens que perdê-lo
Esse ciúme turquesa

Corpos
Cortados pelas águas
Mortos
Pela mágoa

Sente-me
Debaixo de fogo
Toca-me
Aqui onde eu moro

Casa zangada

Estou tão cansada desta cara descrente que guardo para ti quando fazes esse sorriso enjoativo ao nosso diálogo esburacado. Que expressão retorcida... Não a reconheço.
Calando pensamentos contraditórios, fica muito pouco para dizer. E olha para as nossas caras coniventes, hesitantes, paranóicas!
Trocamos palavras amáveis baixinho. Comemos à mesma mesa, educadas. Foste sair com este frio? Se quiseres, não tempero a salada. Não gosto de fígado. Se calhar era melhor perguntares-lhe o que ele pensa sobre o assunto.
Sublinhamos o facto evidente de sermos preto e branco com silêncios ressentidos. Que seria mais penoso que sorrir a esta casa zangada?
Não sorrias, hipócrita. Celebra as nossas diferenças. Despreza o tecto a que somos obrigadas. Grita-me as nossas desavenças. Não escondas que os nossos caminhos se cruzaram por engano. Sê louca e ri-te de mim. Devolve-me um olhar mais frio do que o meu. Acorda para a raiva, odeia-me.
Aí poderei sorrir
. Que alívio.

sábado, 25 de agosto de 2007

Just a little joke

No alto da torre, ela aguardava glória de mel
Fora-lhe prometido um príncipe, uma espada de ferro, um belo corcel
Cem luas se foram enquanto lia um calhamaço de papel
Da janela tudo o que via era o dragão cruel...

«Será meu destino esperar por alguém?» - Indignou-se ela
Guardou o diadema, o vestido e os sapatos de fivela
Um assobio ao dragão e estava em cima da sela
Voou para o sol, renegou Cinderella!

Silêncio

Silêncio veste-se de preto quando tem razão e de branco quando não sabe o que vestir.

Peças colocadas no lugar a que pertencem engolem depressa o crack! indistinto que, de outra maneira, se perderia logo que rebentasse a linha do som...

De dentro do armário, salta a vestimenta de negritude, tão fresca e apetecível, e cala com um gesto a vergonha de estar simplesmente nua.

Silêncio obscuro, meu porto seguro de vozes ingratas.

Silêncio emprestado é largo e apertado nos sítios mais estranhos. Porque és pálido, soas e ecoas, nem devias ser chamado silêncio! De boas intenções artilhado, brincas comigo!... Mais valia estares calado.

Silêncio...
Mais valia estares calado!

Olho

O primeiro olho viu um homem comum
O segundo olho viu-o tirar Excalibur
O terceiro olho viu o amigo de um
O quarto olho fechou e fez jejum
O quinto olho não viu mais nenhum

Lapso de memória
Não são cinco olhos, cinco histórias.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Provas

Dedo de escudo num corte profundo
Segundo no tempo que escorre saliva
Tirada cruel que bate fundo
Tirarem-me
daqui comia-me viva

Coração arremessado para o vazio
Mãos de pianista que toca sonata
Olhar escaldante num corpo já frio
Perdão que não cura mas mata

Lápis que risca o papel rugoso
Última gota no copo cheio
Anjo fiel que vingas zeloso
Denúncia de um esgar feio

Ambos sabemos o feitiço
Ambos rejeitamos as sobras

Não chega. Preciso de provas.

Casa de espelhos

A tua cara nada num mar de espelhos e a tua boca fala baixinho comparada com os segredos espelhados para minha desgraça. Calo estes silvos acusatórios com um beijo amargo nesses lábios de sangue e eles dormem, comidos pelo espelho dinâmico. Tu não fazes mais do que erguer a sobrancelha, sabendo que os segredos falam mais alto do que nós. Tortura aprazível. As quatro paredes, o tecto e o chão de vidro apertam-nos sob todos os ângulos e o que eu engulo e não digo acaba de se espelhar nesta suave transparência de luz. Somos tão belos quando jogamos ao faz de conta.

Mal necessário

Ironia a da natureza que corta cabeças
Perigo iminente para que não adormeças
Doce ignorância para que nunca te esqueças
Do mal necessário

Dor crucitante, baixa de guerra
Pele de cadáver deitada por terra
Capítulo da vida que agora se encerra
Sem X no calendário

Poupar-te do desdém que guardo em mim
Sem adeus definitivo, antes assim
Não celebramos humilhação em grande festim
É secundário

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Flor moribunda

Flor fugitiva
Na sombra descansas tranquila
Selectiva
Abres-te com peso e medida
Colorida
Hipnotizas quem te procura
Comedida
Aguardas somente a frescura


Flor perfumada
Oculta à vista cansada
Adorada
Dás todo o teu corpo de fada
Fecunda
Anseias imortalidade
Moribunda
Apelas à actividade

À actividade

Nirvana musical

Comecei a tocar estas músicas sem saber que cada nota era eu e que cada acorde me enchia um pouco mais por dentro. Peguei nesta noite dourada e colei-a na pauta e tu entraste na onda e tocaste por cima de mim. Tocaste o teu som na minha pauta nesta noite de deuses: duas almas unidas por um fio de corda.
Estes ruídos hipnóticos ganham forma à medida que nós lhes acrescentamos mais e mais sentido e este momento acabou de entrar para a posterioridade em vibrato nas guitarras e na minha vida. A batida ecoa nos nossos peitos alucinados : efeito sem causas sobre as quais valha a pena pensar. Neste momento, tudo aquilo que somos dança no ar e ri-se : Nirvana Musical.

Amigo

És o meu pote de segredos.
O amuleto por baixo da camisola que agarro nos momentos importantes.
És tesouro escondido em gruta deserta.
És a cartada que guardo para o fim.
És a sombra sempre presente.
Aquela parte de mim que nunca muda.
És a batida final da sinfonia.
O grito de pasmo da borboleta transformada.
És fogo que molha em noite de loucura.
És o brilho do nada.
És a cura para a doença desconhecida.
És o berço livre de mácula.
És o fantasma da ópera por trás de cena.
És o meu precioso deus.
Nasce no teu peito
Corre nas veias direito
À boca, como quem grita
Estás morta, estás viva
Acorda e verifica

Sombra que se repete em espelhos quebrados
Beijos doces em olhos queimados
Pétala de sangue promete inverno maldito
Certeza incerta em forma de grito

Caixa enterrada em noite de luar
Adeus refrescante para não mais voltar
Arco-íris vaidoso, tão alto, tão louco
Rebenta comigo, ainda é tão pouco!

Mar de letras desenhadas num sonho
Mentira velada por um sorriso medonho

Carrossel que prende o olhar de fugida
Pergunta inútil numa boca esquecida

Suspeita bendita
É fogo que se avista
Do alto do meu orgulho

Nas chamas mergulho
Nas chamas mergulho!

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Hoje dei por mim a pensar na inevitável deixa «no fundo, todos acreditamos em contos de fadas». Alguém está a falar de algo e logo se impõe – por vezes, nem é preciso alguém dizê-lo – essa convicção de que o ser humano é frágil e está impregnado de emoções que precisam de ser partilhadas. Como se o mundo se regesse por pequenas regras. Como se a intimidade não aconselhasse o melhor ouvinte a esperar pelo momento certo para se mostrar, em todo o seu esplendor.
Quando menos se espera, esse sentimento infiltra-se a pouco e pouco, pairando no ar, enrolando pessoas e afins numa grande bola de drama que deixa alguns pobres coitados sem saber o que dizer e o que fazer com o momento constrangedor...
Para ser realista, tenho que admitir que me interesso e esqueço. Não é preciso bater a mão no peito por causa disso. Não há nada digno de piedade no ser humano. A piedade desqualifica uma pessoa, retira-lhe qualidades. Descaracteriza alguém rico em complexidades. Mais do que isso, a piedade distorce e reduz o objecto a um nada repelente.
Uma das coisas mais interessantes que tenho vindo a descobrir é que é importante saber perder. É importante perceber quando já não há mais nada a ser feito e não adianta cansar uma mente torturada. É importante admitir quando não está nas nossas mãos.
O melhor conselho que recebi até hoje em verdadeira crise foi deixarem-me em paz. Gritar, pensar, dormir sobre o assunto. Sem palmadinhas nem frases feitas nem contos de fadas.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Faz hoje vinte dias que conheci um gajo chamado Rick que tem uma banda de thrash metal em Vila Nova de Gaia. Ele tem o aspecto adequado: roupas escuras, tachas, cabelo loiro, voz gutural. O estúdio onde ele costuma gravar é pequeno e escuro e está coberto de posters de grandes ícones do metal – nomes como Iron Maiden, Judas Priest etc. – e os amigos dele são tipos com estilo que gostam de passar as noites nos bares a falar do género de música que gostavam de fazer – até aqui, nada de novo. Tocámos algumas músicas conhecidas juntos (guitarra e piano basicamente) e corria tudo bem, embora os riffs da banda fossem essencialmente fracos. Tanta auto-estima, tantos ídolos, tanto spotlight e espremido valia muito pouco. Estou-me a lembrar de uma rapariga que nos viu juntos uma vez e disse «arranjaste uma musa nova, foi» e de ele dizer que logo que eu escrevesse algumas letras passava o material para o MySpace e estava feito.
É triste ver que há cada vez mais metaleiros todos iguais uns aos outros, todos a julgarem-se os maiores à espera que os outros façam tudo por eles, todos agarrados a conceitos do que é cool ou não, sem amor absolutamente nenhum à música propriamente dita. É triste ver que isso não se estende só a este ramo: quantas vezes não facilitamos e acabamos por nos esconder atrás de uma máscara qualquer, quantas vezes não mentimos, quantas vezes não inventamos jogos porque é bom, porque alimenta o ego, porque já não sei o que quero mas apimentar isto com uma boa história dá-me a adrenalina que preciso.
Vim-me embora com duas ideias na cabeça: primeiro, há-de haver sempre pessoas que ponham outras num altar só porque o lixo delas está muito bem embrulhado e muito perfumado; segundo, boa música tem que ser original, autêntica, clara na sua mensagem.
Não vale a pena tentar altos voos quando o mais simples é forte e seguro no princípio da viagem e no fim, afinal. As bandas mais conceituadas no mundo do metal estão aí para provar que o essencial é o carácter, não as t-shirts.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

A Dança de Shiva

O Filho gira no útero da Mãe, uma barriga dobrando ao ritmo da música, com ela, dentro dela, em sincronia de movimentos, dançando a dança de Shiva. Dois corações batem em uníssono, contrariando as leis da física, partículas distintas, um só núcleo de existência, dançando a dança de Shiva. A Natureza é tocada pelas suas crias, palmilhando o seu corpo de terra, as suas raízes, os seus rios, sangue nos seus ouvidos, estalando os músculos ágeis, atrás das presas, dançando a dança de Shiva. Uma borboleta agita as suas minúsculas asas, num outro ponto do planeta ciciando, rolando ventos sem fim, provocando estrondosos tufões, dançando a dança de Shiva.

E Shiva congratula-se, balançando ao som da dança da Luz.

O Homem sangra, amargando como um fruto maduro, tornando-se Sábio, compondo Brahman, dançando a dança de Shiva. As estrelas morrem no firmamento, explodindo, brilhando, cantando a História do Universo, dançando a dança de Shiva. Rios de lava e de dor transpiram nos corpos dançantes, bebidos pelo solo sedento, salivando, arrotando, cadáveres definhando, dançando a dança de Shiva. Formigas caem no abismo, sacrifício, pisadas pelas precedentes, bailando a canção, perdurando, dançando a dança de Shiva.

E Shiva congratula-se, balançando ao som da dança das Trevas.

Shiva dança a paz, a raiva, o desejo, a brandura, a competição, a penitência, a brusquidão, a honra, o ciúme, a solidão, a unidade, o desprezo, a surpresa. A alma de Shiva ri e escarnece dele, movendo os seus pés descalços, garantindo a imunidade de Shiva,

queimando
e
renovando-se,

Imortalidade,

dançando a dança de Shiva.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Roma - a maior capital europeia

1 285 Km2. Ruas monumentais de prédios sumptuosos que vão desembocar em praças de cortar a respiração – Piazza del Poppolo, Piazza de Spagna, Piazza Navona, Piazza Reppublica, Piazza Veneza. 2 546 804 habitantes que se atropelam uns aos outros por entre o trânsito. Scuza. Scuza. Grazie. Grazie. Pizzerias. Pasterias. Armani e Chanel e Sacoor ao pé de templos e igrejas trabalhadas. Fontes de água fresca. Fontana de Trevi. Kms de pedra branca. Italianos morenos de olhos redondos, jamaicanos, japoneses, árabes de pestanas compridas, brasileiros, turistas loiros e vermelhos do sol. Arcos, colunas, escadarias, pórticos, cúpulas. Vendedores ambulantes. Marginais no metro e carabineri de facas no bolso – metro: uno minuto ou due minuti. Conversas paralelas entre estranhos nas filas de espera ou nos elevadores panorâmicos. Calor. O Coliseu dos gladiadores, palco de terror. Souvenir. Restaurantes modernos e esplanadas floridas. Jardins iluminados. Bares. Autocarros turísticos e não-turísticos. Fóruns de argila de a. C. Influência egípcia e grega. Basílica de S. Pedro – A Igreja. Esculturas de antigos deuses que parecem reais. Quadros de cores incríveis. Tectos abobadados, inscrições em latim. Guardas suíços. Monges vestidos de preto. A Capela Sistina – assombrosa pelas cores e pela humanidade das figuras, quase se ouvem falar. Termas e Galerias. Panteão. Inglês e francês e alemão mas principalmente aquela língua única que um português percebe facilmente ao apanhar uma palavra aqui e ali: o italiano, mama mia…Palavra preferida: piccola. Arriverderci, Roma.

Escrevi este texto durante a viagem de avião de volta a Portugal. Não estava à espera de ficar com tantas saudades daquele sítio, das pessoas que conheci, de acordar para o desconhecido mas a verdade é que se fica com umas saudades de morte. 15.07.07.

Arte

As palavras dançam um baile de máscaras dentro da cabeça. Para “bom”, entoa-se “perfeito” em qualquer circunstância, fica sempre bem; “maravilhoso” após uma pausa, caso se esteja comovido; “fantástico” bem alto para aquele que se sentir corajoso; “único” quando o choque é total… Escolhê-las é um jogo para ser jogado devagar e cuidadosamente, selectivamente… A escolha é infinita… É através do paladar que o fazemos e nos arriscamos a abraçar, beijar, vestir, pintar, enfeitar palavras… Oferecemos palavras como quem oferece presentes, tanta generosidade… Escrevemos e rasgamos o papel só pela volúpia do processo…

Criar é uma assinatura de sangue na carne, na pedra da vida, num lugar só nosso e chamamos-lhe Arte.

Os desenhos são mensagens cifradas que se compreendem antes de serem descodificadas; que se sentem antes de serem pensadas. Um vermelho intenso, um azul apagado, um verde cristalino, um amarelo gritante, um preto obscuro que procura fazer sobressair todas as outras cores, brotam de uma mão que autentifica as suas linhas ao retratar isto e não aquilo… O desenho é uma resposta imediata, é sempre uma descoberta.

Criar é uma assinatura de sangue na carne, na pedra da vida, num lugar só nosso e chamamos-lhe Arte.

A música é o filho do Homem que nasceu num dia solarengo quando este, cansado de provocar tanto mal, decidiu que tinha que fazer algo grandioso antes de morrer para provar à Mãe Natureza que podia ser tão magnífico quanto ela. Tocar um instrumento é semelhante ao riso ou ao choro – é liberdade; é abstermo-nos da nossa condição de meros mortais e levitarmos uns centímetros do chão.

Criar é uma assinatura de sangue na carne, na pedra da vida, num lugar só nosso e chamamos-lhe Arte. Nunca é individual – nunca é para mim, nunca é para ti, é para nós. É aí que nos tornamos iguais e invencíveis…

2004

Fénix

Doce maldição
Acordaste-me com um beijo
Eterna obsessão
Tremo de desejo

Durante milhões de anos
Dormi
Allegro de muitos pianos
Ouvi
Prometes-me sonhos insanos
Nasci

Sou uma Fénix
Alimento-me do teu corpo
Sou uma Fénix
Sem ti, sou um peso morto
Sou uma Fénix
Sou cinzas, sou achas, sou pó
Sou a estrela da manhã, sou Génesis, sou só…

Consigo cheirar-te
Rastejo na escuridão
Vou encontrar-te
No céu, na água, nas pedras do chão

Labirinto de alta bordadura
Cercas-me
Vejo a seta para a minha cura
Acertas-me
Não há união mais forte ou mais pura
Infernas-me

Sou uma Fénix
Alimento-me do teu corpo
Sou uma Fénix
Sem ti, sou um peso morto
Sou uma Fénix
Sou cinzas, sou achas, sou pó
Sou a estrela da manhã, sou Génesis, sou só…

27/08/06

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Acordei com o sol a gritar: SENTES O CALOR DA CHAMA O CHEIRO DOS TRONCOS O SABOR DOS PESSEGOS O SOM DA AGUA O PRODIGIO DA SEMENTE AS LAGRIMAS QUE BROTAM DO PEITO O PODER DA VERDADE O TOQUE DA PELE A PAZ DOS ANIMAIS A MUSICA DAS CORES O PESO DO TEMPO A BELEZA DO CEU O SUOR DO CORPO A DOR DO FIM O BRILHO DO CRISTAL A MAGIA DOS SERES A LOGICA DO MUNDO...

06/03/07
Pintei a minha cara para a guerra
Sangue na minha mão
Obriguei-o a provar a terra
O luar mostra um irmão...

Xeque-mate

Este poema destina-se a qualquer tipo de desilusão. Por vezes cometemos erros sem pensar, por vezes eles são cometidos fora do nosso controlo, outras alguém os comete por nós.

Casa negra
Casa branca
O jogo comanda

Estou no chão
Falso ódio
Triste pódio

Porque é que moveste o peão?
Era xeque-mate
Puseste a rainha ao chão
Mas falhaste

Perdeste o jogo
Uma só peça
Não interessa

Sabor amargo
Promessa de El Dorado
Presente envenenado

Porque é que moveste o peão?
Era xeque-mate
Puseste a rainha ao chão
Mas falhaste

Pandora

O monstro do destino devora
Este coração que palpita é o meu?
Só na nossa cabeça é real, Pandora
O grito na tua caixa é o teu

Querubim

Deves ser o recém-nascido
Que carrego com ternura
O elemento mais marcante
Da minha derradeira pintura

Deves ser o meu prisma secreto
A cada dia vislumbro mais e mais cores
Mesmo num cenário pútrido e infecto
Os teus passos são tranquilizadores

Quando da tua estou ávida
A boca sabe-me a fel
É uma autêntica dádiva
O teu corpo confuso no meu

Deves ser o som do tempo
O vento sussurra-me o teu nome
Ou talvez o doce suculento
Que rasga o meu estômago de fome

Como um fiel discípulo
Tropeço nos meus pés
Será que caio no ridículo
Apregoando quem tu és?

Da minha boca não sai um som
O vento carrega-o nos braços
A verdade interior é um dom
Sinto-o em tudo o que faço

Tu moves os meus pés descalços
Sorris para mim de manhã
O que é real e o que é falso?
Tu comes esta maçã

Vi o sol engolir a lua
Foram os meus olhos ou foram os teus?
Foi a minha alma ou foi a tua
Que hoje dançou com Deus?

Entro dentro do rio
Encontro liberdade
Beijas-me, sorrio
Não há qualquer saudade

As árvores cor de jade
Sussurram-no para mim
A paz, quem sabe
Pertence ao querubim
Isto nasceu de uma aula de teatro particularmente engraçada porque, ao ouvir uma música, tínhamos que escrever algo em dez minutos.

Um homem, só, sentado num bar, em frente a um copo. Nada mais importa senão o próximo copo. A vida é demasiado insuportável para ser encarada com mais do que pura apatia. Desprezo total. Afoga o seu desespero naquele movimento contínuo, desprovido de paixão.
Uma mulher entra em cena, também ela derrotada, uma velha de vinte anos. A droga roubou-lhe todo o orgulho, toda a integridade.
De repente, uma cortina ao fundo do palco deixa ver um espelho, que apresenta as duas personagens a nu, desprovidas de sentido nas suas vidas.
Ao mesmo tempo, os dois apercebem-se do vazio. No entanto, não há nada mais que os impressione, que os surpreenda. Contra todas as expectativas, não resta qualquer vergonha, nem isso sequer.
Como nem a mulher nem o homem tomam consciência da rua ruptura, a sociedade fá-lo por eles e o espelho estilhaça-se.

Up and down

Este poema é uma homenagem a todos os corredores deste mundo.
The road is yours and the world still sleeps
Safe and sound your heart beats
Have you ever felt this deep?
Fast is the echo of your feet
Up and down

When you’re done, you can’t explain
You were the sun, the wind, the rain
Your breath melts away your pain
You’re death and life again
Up and down
2007

Passe de mágica

Eram dez da noite e ela estava a pintar os olhos de preto, como faz sempre antes de sair. Estava a preparar-se para celebrar o facto de o ser humano ter tantas facetas. Uma só pessoa pode ser relaxada e agitada, curiosa e desligada, generosa e egoísta, boémia e contida, inteligente e vazia, eficiente e contraproducente, perigosa e ingénua. O fascínio de cada um varia consoante o estado de espírito. À noite, vestimos as nossas capas e procuramos nos olhos uns dos outros essas facetas. O que lhe dás se o corpo dela te mostrar aquilo que queres ver. Quem és tu se ela te roubar um pouco de ti com a língua. O que disseres não interessa minimamente. O que ela disser, amanhã já não te lembras. Faz amor para as estrelas e prova com o corpo de uma só vez aquilo que o espírito te levaria anos a descobrir.
Eram dez da noite e ela estava a pintar os olhos de preto, como faz sempre antes de sair.

Não precisas do fruto
Queres a semente
Não sentes o suco
És omnipotente

Rio do sonho
O medo tristonho
É Arte...que imponho
Passe de mágica.

Africa

O som da arma quase não nos deixa respirar
Mas a voz humana faz-se ouvir, insistente...insistente
E este grito de medo no ar
É abafado, lentamente...lentamente

A verdade está aqui, inimigo sem nome
A bala falou-me ao ouvido e matou-me
Mas a Paz EXISTE e curou-me.

Anjos

A Bela desabrocha, esplendorosa no seu leito
É a rainha da Verdade
O sol beija o seu rosto perfeito

De noite, o Monstro grita, doente de amargura
Perdeu as chaves para a liberdade
Nas trevas ninguém o procura

Mas ao amanhecer
Eles sabem, contra vontade
Que são um e o mesmo e sempre assim há-de ser

Eles não sabiam
Dançam a dança do vento
Três anjos vigiam
A Sorte, a Morte e o Tempo

Baloiço

Estava a andar de baloiço e brincava com os meus olhos, o meu cabelo, as tuas mãos, os teus pulsos. Embriagada pela doce brisa. Embalada pelo movimento cadenciado.
De súbito, acordo... e vejo a verdade e a mentira! a sabedoria e a ignorância! a vida e a morte...
Num sobressalto, tudo é muito claro. Indubitavelmente mágico...
E não quero brincar mais porque não se pode dormir para sempre...
O baloiço chia, para a frente e para trás, quando está vazio...

Ad Corpus

O tempo passou
A chuva lava os meus medos
O fogo chegou
Não queima os teus dedos
O sino tocou
Sibila segredos...

As minhas asas são douradas
Não deixo pegadas

Subindo o poço sem fundo
Água negra corre para a luz
Decomposta nas cores do mundo
É bela – Ad corpus

A folha caiu
Beija a minha pele
A flor abriu
Coroa-te de mel
A cruz ruiu
Não há paraíso celeste nem inferno cruel...

As minhas asas são douradas
Não deixo pegadas

Subindo o poço sem fundo
Água negra corre para a luz
Decomposta nas cores do mundo
É bela – Ad corpus

26/08/06
Observo, estaco
Duvido, afasto
Rejeito, embato

Penso, choro
Sinto, coro
Fujo, ignoro

Desisto, grito
Engulo, vomito
Imponho, imito

Foco, passo
Ouço, abraço
Liberto, faço

Amor e loucura

Lembro-me de quando te conheci. Carregavas um peso que não era suposto carregares. Conseguias sorrir sem te partires em dois. E que lindo sorriso... Sem malícia. Sincero. Até hoje, nunca vi ninguém sorrir assim. Um rapazinho na pele de um homem feito... As pessoas hão-de sempre adorar esse sorriso, sabias?...

Vi as tuas cores porque nunca tentaste mostrar-me outras. Vi a droga em ti e vi as tuas marcas de sangue e vi a tua mãe alcoólica e vi o teu pai cansado e vi as paredes do teu quarto esmurradas pelos teus dedos e vi o teu tio que fez uma criança sofrer para além do imaginável. Tive que ver isso tudo primeiro para depois ver os teus sonhos.
Fiz-te ver, com muita ternura, com todo o prazer do mundo, que tudo – mas mesmo tudo – se nos dermos ao trabalho de olhar segunda vez, tem algo muito belo por dentro, incluindo tu, principalmente tu... Trouxe-te música e trouxe-te riso e certifiquei-me de que não ias tocar naquela merda outra vez. Disseste que te salvei.

Fomos dois jovens que faziam viagens juntos, que liam os pensamentos um do outro quando estavam em grupo, que faziam amor durante uma discussão, que diziam aquela palavra temida: “amo-te”, que se riam e se tocavam, que iam ser a voz desta nossa revolução a dois, que tinham todas as certezas do mundo. Quando penso na tua mãe, penso numa mulher que cantava bem em espanhol e que não parecia receber abraços há muito tempo, razão porque eu a abraçava todos os dias porque provavelmente o abraço é a melhor coisa do mundo e não deve ser esquecido. Quando penso no teu pai, penso no homem que me ensinou a tocar guitarra, a minha companheira de sempre, e consigo arrepiar-me porque ele se transforma com a música, razão porque eu vou ver sempre nele um exemplo.

Não te atrevas a dizer que te salvei, como se tivesse passado contigo todos estes anos por favor. Salvámo-nos um ao outro. Sim, a minha vida é perfeita e isso faz com que para mim seja fácil falar com as pessoas e tu não tens a mesma sorte. De quem é a culpa?
Vês agora como eu cresci para ser uma pessoa totalmente diferente e a tua vida me ensinou que se pode ir ao inferno e voltar poderoso; como a tua dor não me tirou essa boa-disposição que tu dizes que conquista os outros mas fê-la crescer, multiplicou-a; vês a mulher forte em que me tornei?

Será que me pareceu que a tua voz estava arrastada da última vez que falámos; será que vou ouvir que não ultrapassas isso sem mim; será que não vês que não precisas de nada nem de ninguém; será que não vês que és a porra de um DEUS?

As árvores morrem de pé

Este foi um texto dramático muito curto que esteve em cena em 2006 e que escrevi a partir de uma crónica de António Lobo Antunes quando tive aulas de Teatro com o grande professor Duarte de quem tenho muitas saudades, aqui vai um beijinho para ele.


Eu, só, de pé, vestida de branco, com uma ligadura na cabeça

- Chiiiiiuuuu...

(Ponho a mão atrás da orelha)

- Não ouvem? Carros a serem engolidos pela noite?

(Falo apressadamente)

- Para onde vão? Será que olham para trás? Não! De onde vêm? Não é mais importante? Não é o futuro criado pelo passado?

(Respiro fundo)

- Gozam eles a riqueza do silêncio?

(Viro-me para o público)

- Gozam vocês?

(Sento-me)

- Afinal, vimos todos de algum lado...Só nós sabemos de onde...

(Tiro o calçado, cai areia. Levanto-me, rodopio em frente ao espelho.)

- Temos que aprender a escutar o silêncio.

(Começo a desenrolar a ligadura, devagar. Por baixo, não há ferida alguma. Sorrio.)

- Por isso, não te preocupes comigo...

(Desafio)

- Chiiiiuuu.... Não é maravilhoso?

POWER

I can make the earth stop in its tracks.

I made the blue cars go away.
I can make myself invisible or small.

I can become gigantic & reach the farthest things.

I can change the course of nature.

I can place myself anywhere in space or time.

I can summon the dead.

I can perceive events on other worlds in my deepest inner mind & in the minds of others.
I can.
I am.
Jim Morrison