sábado, 15 de setembro de 2007

O cão etecetra

Foi um parto difícil mas aqui está...a minha crítica social sob a forma do cão etecetra.

Caminhava por entre as gentes e parei, alguns segundos, para me lamber. Digo caminhar mas é mais como um leve saltitar de patas – tic tac tic tac – quase imperceptível. Só paro para necessidades vitais que cabem a qualquer cão que se preze. Observar. Pessoas que pensam algo e afastam o pensamento cerram ligeiramente as sobrancelhas e tremem o lábio. Fascinante.
É isto que eu faço. Vivo para os etecetras da vida. Totalmente inútil mas há mais como eu. Auto-catalogamo-nos de intelectuais. Perdemo-nos na euforia dos nadas e dos ninguéns. Esticamos o tempo até ao inverosímil pela necessidade prodigiosa de edificar o que está podre. Utopias patetas, dizem. Nova lambidela. Cá para mim, estou pleno na minha solidão. Vive-se pelos outros, porque não hei-de viver por mim mesmo? Quem me garante que alguém vai viver por mim? Por isso entrego-me alegremente ao superficial em mim. Hurra! Venham a mim, suas cadelas vadias! Venham a mim, conquistas fáceis! Vem a mim, esgoto de um raio! Não tenciono trabalhar um único dia na minha vida! Sou um autêntico fenómeno e hei-de pagar ao mundo para me ver como tal…
Entretanto, vivo de dinheiro roubado. Sou escorraçado. Ando frequentemente embriagado. Não sou grande amigo porque não tenho nada para oferecer e estou sempre lá para pedir. E o primeiro que me prove que nisto não somos todos sete cães a um osso, juro que lhe dou o meu pêlo nauseabundo (que deus poupe o desgraçado que o quiser) de mão beijada…
Além de tudo isto, gosto de afirmações categóricas. Gosto sobretudo de meter o bedelho em tudo o que não me diz respeito porque sou demasiado preguiçoso para me perscrutar a mim mesmo. Nasci para voyeur. Não posso evitar.
Não tenho grande sentido de justiça. Não. Não faço a mínima tenção de mudar. Não tenho jeito para grandes decisões. Sou humilde, na minha condição. Tic tac tic tac.
Estou permanentemente insatisfeito e as pessoas parecem estar permanentemente insatisfeitas comigo. Sou maquiavélico ao ponto de o adorar e, por isso, ando invariavelmente sem coleira. Sou, com muito orgulho, um miserável. Vida de cão...

1 comentário:

Karma Beavis disse...

Juro...

Ainda não me libertei completamente!

Parece que consegues fazê-lo de uma forma tão fácil!

Agarras a caneta (ou o teclado)....e o pensamento flui...

Escreves o que sentes

Lembras as experiências

E crias...