quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Momento-cobertor

Esticando as mãos
Num gesto instintivo
Afago num ápice
Um rosto conhecido

Olhando os dois lados
Vasculhando o interior
Sinto o quente
Quieta no tempo

Momento-cobertor

Nós e os Outros

Em parceria com G.

Duas pernas
T-shirt de Mayhem
O violeta está cortado
Desconcertante
Fulminante
Fala-me de ti
Não passes recados
Inspira-te nas ondas dos carros

Trocando mulheres
Elevas singularidades
Podias fazê-las morrer
De curiosidade
Que ardam
Em sorrisos perversos!

Demasiados pensamentos em catadupa
Não estás apenas sentado
Comprometes-te de olhos fechados
Despes-te para um público determinado
Seleccionado

De cabelo comprido
Crias inimigos
Sincronias
Derrubando
Considerações
Alimentando
Multidões
Assassinado pelo dia
Descreves sensações
Pela caligrafia


Feitiçeira branca
Explosiva
Transformas-te
Em guitarras
Feridas
Vives
Palavras
Esquecidas
Atrevida
Quantas vozes
Precisas
Quantas vidas?

Quero-te
A nós e aos outros
Os loucos
Que nos habitam


domingo, 25 de novembro de 2007

Ladra de caras

Cantar para mais de cinquenta pessoas dá-me a sensação de ser uma ladra de caras. Elas estão lá mas eu não as vejo. Incorporam a música: cada uma delas, notas musicais.

É nestes momentos que me apetece inventar uma batida rápida, aguda, que me seja insuportável e me arrase completamente, avassaladora! Apetece-me gritar, rasgar a garganta, desafinar a voz! Apetece-me libertar-me em lágrimas quentes em frente a estas caras e soluçar até doer!...


Ia jurar que se iluminasse as caras de repente… eram todas iguais… todas a minha.

A Bela e o Monstro

E ela disse…:
Monstro horripilante
Quis dar-te um beijo
Electrizante
Que te desse a certeza
De que te amo
Foi tudo, insano...
Porque me deixaste
Os lábios num corte?
Porque recusaste
O beijo da Sorte?...

E ele disse…:
Minha rainha
Tu és a Bela
Eu sou o Monstro
Tu és o Princípio
Eu sou o Fim
Tu és Feiticeira
Eu sou Malandrim
Deixemos isto assim
Beijos da Sorte
São beijos de Morte

São beijos de Morte!

Consegues provar o improvável?...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Mulher Tatuada

Ele tocou
As marcas na pele
Relevo
De um pequeno anel
De um relógio em chamas
De rosas azuis
Um pássaro
Em filigrana
Uma sereia
Sem escamas
No tronco
Esguio
Da Mulher Tatuada

Virou-a
Aspirando o aroma
Um sol no umbigo
Um rio esquecido
Uma cruz no pescoço
Um olho no peito
Borboletas
Violeta
Dançando no osso
Do ombro direito

Mulher Tatuada
Que arte encantada!
Que buraco é este
No meio do nada?

És tu, infiel
Sem artifícios
Sem um só pincel
Encaixas perfeito
No meio da pele

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Brincadeira de crianças

Depois de partir uma garrafa no chão
Pergunto-me
Serão mais do que vidros?

Depois de contar os cacos na mão
Concluo: iludo-me
As paredes têm ouvidos?

Ódio

Ténue vingança
Cega matança
Tóxica esperança

Posso contar-te um segredo?

Ódio...
Nem sequer te percebo

No mais benévolo de mim

És uma brincadeira de crianças...

sábado, 10 de novembro de 2007

Erros racionalizados

O que é melhor
Que chagas
Admitidas

O que é pior
Que garras
Escondidas

Curioso
Uns choram
Outros gritam
Tu és
Perigoso!
Racionalizas
Os teus erros


O que é melhor
Que beijos
Consentidos

O que é pior
Que desejos
Denegridos

Curioso
Uns choram
Outros gritam
Tu és
Perigoso!
Racionalizas
Os teus erros

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Insónia

Insónia
É um livro
Que não se abre
Porque se sabe
A história de cor

Surpreendente

Carrega nos olhos
Histórias perdidas

Carrega no corpo
Promessas esquecidas

Carrega
O peso
De mil partilhas

Carrega
Memórias rosáceas

Recém-nascidas...

Todo particular

Nos últimos dias, tenho tocado guitarra em público e em sítios diferentes e o contraste tem-me deixado extasiada. Impressionante como um ser humano é capaz de fazer mil e uma coisas, tudo o que quiser, tudo a que se dispor.
Aparentemente, adaptamo-nos aos mais diversos feitios, aos mais diversos locais, sem medo. Não se questiona o poder da improvisação, transpira-se; não se movimenta, existe-se. A actuação envolve um chão, rostos que se fitam, uma ambiência especial.
Inesperadamente, não sou uma forma, são os pormenores que me dão consistência. Engolem-me. Um par de namorados imita-se mutuamente, seguindo um mesmo guião; um velho inclina o copo no clímax da música; as cortinas do fundo parecem tecer comentários de leve ironia; as cores dão um toque irreal à sala; a minha guitarra soa engrandecida e o microfone rouba-me a voz. Tudo isto segue uma sincronia única de que eu também faço parte. Não faz sentido dizer que sou o centro das atenções porque o centro abrange muito mais. O tudo e o nada confundem-se.
Tocar num teatro é como ser abraçada por um grande holofote de luz quente. As pessoas ficam ligeiramente surpreendidas e pedem mais. Dizem que tenho uma voz doce e dão-me palmadinhas nas costas. Agradável.
Tocar num bar é mais familiar e consigo ver quase todas as expressões que me lançam. Prefiro perguntar se conhecem as músicas antes de começar porque assim prevejo reacções. Tempo ilimitado dá uma sensação de conforto. Depois do espectáculo, oferecem-me bebidas, trocamos contactos. Íntimo. As palmas envaidecem-me.
Poderia olhar-me e reconhecer-me mas não sinto. Sinto apenas o todo particular.