terça-feira, 6 de novembro de 2007

Todo particular

Nos últimos dias, tenho tocado guitarra em público e em sítios diferentes e o contraste tem-me deixado extasiada. Impressionante como um ser humano é capaz de fazer mil e uma coisas, tudo o que quiser, tudo a que se dispor.
Aparentemente, adaptamo-nos aos mais diversos feitios, aos mais diversos locais, sem medo. Não se questiona o poder da improvisação, transpira-se; não se movimenta, existe-se. A actuação envolve um chão, rostos que se fitam, uma ambiência especial.
Inesperadamente, não sou uma forma, são os pormenores que me dão consistência. Engolem-me. Um par de namorados imita-se mutuamente, seguindo um mesmo guião; um velho inclina o copo no clímax da música; as cortinas do fundo parecem tecer comentários de leve ironia; as cores dão um toque irreal à sala; a minha guitarra soa engrandecida e o microfone rouba-me a voz. Tudo isto segue uma sincronia única de que eu também faço parte. Não faz sentido dizer que sou o centro das atenções porque o centro abrange muito mais. O tudo e o nada confundem-se.
Tocar num teatro é como ser abraçada por um grande holofote de luz quente. As pessoas ficam ligeiramente surpreendidas e pedem mais. Dizem que tenho uma voz doce e dão-me palmadinhas nas costas. Agradável.
Tocar num bar é mais familiar e consigo ver quase todas as expressões que me lançam. Prefiro perguntar se conhecem as músicas antes de começar porque assim prevejo reacções. Tempo ilimitado dá uma sensação de conforto. Depois do espectáculo, oferecem-me bebidas, trocamos contactos. Íntimo. As palmas envaidecem-me.
Poderia olhar-me e reconhecer-me mas não sinto. Sinto apenas o todo particular.

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