quinta-feira, 5 de julho de 2007

Amor e loucura

Lembro-me de quando te conheci. Carregavas um peso que não era suposto carregares. Conseguias sorrir sem te partires em dois. E que lindo sorriso... Sem malícia. Sincero. Até hoje, nunca vi ninguém sorrir assim. Um rapazinho na pele de um homem feito... As pessoas hão-de sempre adorar esse sorriso, sabias?...

Vi as tuas cores porque nunca tentaste mostrar-me outras. Vi a droga em ti e vi as tuas marcas de sangue e vi a tua mãe alcoólica e vi o teu pai cansado e vi as paredes do teu quarto esmurradas pelos teus dedos e vi o teu tio que fez uma criança sofrer para além do imaginável. Tive que ver isso tudo primeiro para depois ver os teus sonhos.
Fiz-te ver, com muita ternura, com todo o prazer do mundo, que tudo – mas mesmo tudo – se nos dermos ao trabalho de olhar segunda vez, tem algo muito belo por dentro, incluindo tu, principalmente tu... Trouxe-te música e trouxe-te riso e certifiquei-me de que não ias tocar naquela merda outra vez. Disseste que te salvei.

Fomos dois jovens que faziam viagens juntos, que liam os pensamentos um do outro quando estavam em grupo, que faziam amor durante uma discussão, que diziam aquela palavra temida: “amo-te”, que se riam e se tocavam, que iam ser a voz desta nossa revolução a dois, que tinham todas as certezas do mundo. Quando penso na tua mãe, penso numa mulher que cantava bem em espanhol e que não parecia receber abraços há muito tempo, razão porque eu a abraçava todos os dias porque provavelmente o abraço é a melhor coisa do mundo e não deve ser esquecido. Quando penso no teu pai, penso no homem que me ensinou a tocar guitarra, a minha companheira de sempre, e consigo arrepiar-me porque ele se transforma com a música, razão porque eu vou ver sempre nele um exemplo.

Não te atrevas a dizer que te salvei, como se tivesse passado contigo todos estes anos por favor. Salvámo-nos um ao outro. Sim, a minha vida é perfeita e isso faz com que para mim seja fácil falar com as pessoas e tu não tens a mesma sorte. De quem é a culpa?
Vês agora como eu cresci para ser uma pessoa totalmente diferente e a tua vida me ensinou que se pode ir ao inferno e voltar poderoso; como a tua dor não me tirou essa boa-disposição que tu dizes que conquista os outros mas fê-la crescer, multiplicou-a; vês a mulher forte em que me tornei?

Será que me pareceu que a tua voz estava arrastada da última vez que falámos; será que vou ouvir que não ultrapassas isso sem mim; será que não vês que não precisas de nada nem de ninguém; será que não vês que és a porra de um DEUS?

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